terça-feira, 20 de outubro de 2009

Ao ver Marina passar

Pensar simplesmente não era o forte dele. Garoto magrelo, roupas fora de moda e óculos de aros escuros lhe cobravam um perfil mais próximo do intelectual. Coisa que não era nem de longe.
Definitivamente seus olhos eram pálidos. Inesperadamente seus gestos imediatos alcançavam pouco mais do que uma alusão ao possível. Assim, Pedro constrangia a cada ranger dos dentes e permitia invasões ao seu íntimo sem afetar uma construção tanto mais profunda do que um mero reflexo.
Mas é certo que se valia de toda a vantagem da imagem grosseira de menino prodígio. Tal considerado, no máximo, poderia referir à inquietação perene, ações que lhe emprestavam um ar assim... digamos, de raras percepções.
Pedro andava chutando pedras invisíveis para fingir-se concentrado enquanto sua mente saltitava de momento em momento, demorando-se ínfimos segundos em cada desenrosco, cada qual levando a lugar algum. Ria-se de risos alheios, absorvia um pouco de fofoca diária, estendia-se no exercício do nada e cansava-se do ritmo das formigas.
Ao seu redor pessoas se desmanchavam inteiras e as manchas coloridas iam se tornando opacas, alternando os encaixes antes de se recompor.

E conhecer Marina lhe roubou longos 4 minutos de contemplação.

Tempo que até hoje busca por aí, barganhando até promessas e dando ao ar uma chance de preeenchê-lo enfim.
A ele, a forma harmônica de lábios pequenos reservou uma vida escondida sob os mistérios do desencontro. Ele não teria como saber de antemão, mas já duravam bem mais seus raciocínios ao formular equações pulsantes. Desprovido do dom da observação, ele deixara de perceber a quantas andava sua mente ao atravessar a ponte e adentrar o caminho das flores de campo trajando somente branco.

Perto daquelas doces curvas seus gestos já não eram mais tão curtos e parte de seus dedos se arriscaram por entre os cachos brisados encontrando a linha de um pensamento que nunca havia se permitido seguir.

Ao ver Marina passar, ele resolveu se casar.

Um comentário:

Mila disse...

Longos 4 minutos de pura contemplação....

Amo seus textos