segunda-feira, 20 de julho de 2009

Apenas mais um josé

Sob o sol do trigésimo terceiro por-do-sol daquele inverno, o homem de estatura baixa buscava algum tipo de conforto. O suor ácido e viscoso colava entre as dobras do pescoço manchado, denotando certa ausência de higiene para a qual ele nem mais ligava. As mãos espalmadas como em estado de meditação buscavam os raios fracos, que em meio às sombras dos edifícios marcavam vincos profundos e cortes mal cicatrizados.
Num dado momento cogitou ir para casa. Mas a imagem referencial surgia turva, em caminhos alternados, talvez entrecortados ou mesmo invadidos e alterados por uma civilização varrida dali. Mesmo assim buscou a chave minúscula que levava junto ao peito, presa por um resto de barbante. Pensou com ironia na fragilidade daquela peça, produzida e reproduzida tantas vezes que já nem contava mais, cada cópia associada a uma perda... Criara sem querer um significado novo para aquele metal retorcido.

Tanta reflexão afastou a pouca luz que restava, dando lugar ao vento gelado, tão cortante quanto o barulho de buzinas e de gente. Era toda a gente que saía das caixas. Gente de calçada, gente de cadeiras, gente de risadas... De grupos, de duplas, de filhos pendurados... Gente de ninguém como ele.

A boca seca gritou saudade de álcool e limão. Ao seu lado, gente de camisa xadrez e livros tagarelava teorias desmedidas, entediando uma garota avoada que enchia a cara para fingir que não entendia nada daquilo. Ele se encheu de compaixão por aquela pessoinha deslocada, chegou-se mais, pediu cigarros e bebida. Pôs-se a entrete-la com uma conversa qualquer, à qual era óbvio que ela se dedicava bem mais.

E ficaram assim por horas. Brincando de pensadores, falando qualquer asneira intercalada com profundas compreensões instantâneas. Dessas que surgem preciosas em momentos tão perdidos e dão mais sentido ao pensamento coletivo... Mas que geralmente são esquecidas logo mais.

Na virada do dia a boca cansa de abrir e fechar. A língua amolece e os olhos piscam mais devagar. A garota tem mais pique, é bem verdade, mas ele bem que aguentou firme.

Você não vai para casa?, ela pergunta já amiga de longa data. Para quê? Logo mais tenho que voltar. Então me ajeito por aqui mesmo. A resposta satisfaz e ela vai embora em seu passo lento. Ele puxa o cobertor e adormece com um sorriso de novas ideias. Logo amanhecerá e apenas mais um josé dorme sereno na calçada.