sábado, 3 de maio de 2008

Carta póstuma

Meu amor...

Hoje pela manhã acordei e vi você ao meu lado, respirando profundo, sorrindo de leve, a barba por fazer contornando o queixo pequeno. Vi a luz do dia entrar e arrancar seu sonho. Você esfregou os olhos igual a uma criança e olhou para mim, mantendo o sorriso. Eu retornei o olhar, e você nem sequer sabia quanto ele dizia...
É bom recordar aqueles dias de outono em que caminhávamos enganchados como dois bêbados pela rua. Lembra o quanto planejávamos nesses dias?
Teve um dia, você nem mesmo percebeu: pelo caminho cruzamos um parque e uma bola veio ao seu encontro, seguido por uma menina linda de cabelos cacheados. Você entregou a bola e ficou lá agachado, vendo-a voltar correndo para os amiguinhos. Eu vi as lágrimas no canto do seu olho e nunca tive coragem de perguntar o porquê. Como eu queria saber!
Lembro também daquela nossa briga horrível, que até mesmo acordou os vizinhos, que vergonha... Você lembra o motivo? Eu não lembro, mas as ofensas que trocamos quase nos destruiu completamente. Se fosse agora, pediria desculpas... Nada valia tanto a pena discutir.

Engraçado como quando somos crianças, projetamos o nosso futuro de uma forma tão pragmática e cronologicamente perfeita. Aí a gente cresce e repara que esqueceu de uma coisa básica chamada vida. E na vida tudo acontece na base do "depende". Então seguimos escolhendo isso ou aquilo, andando ou correndo... Tem horas que eu lembro da minha mãe dizendo: "quando você crescer vai entender isso melhor". E eu crescia e nem percebia ou nem lembrava como era antes de entender. Apenas seguia compreendendo ou protelando decisões sem me dar conta do quanto havia mudado. Chegou uma hora que simplesmente pareceu-me estar pronta: eu era uma adulta. E olha que isso aconteceu muito tempo depois do que eu planejava quando criança. Aconteceu quando vi que decidia melhor, pedia menos e fazia mais, levantava mais rápido, esquecia sem dor, falava mais devagar e pensava muito, mas muito mais. E foi tão divertido me dar conta disso que cheguei quase a esquecer que ainda aprenderia mais... Pois é, eu não sabia quando seria o fim.

Foi então que encontrei você assim, sentindo-se igualmente pronto. Sem saber, fomos a escola um do outro. Um com o outro fomos crianças manhosas, fomos adolescentes briguentos, fomos adultos cansados. E de tantas dores e enganos e noites brigadas... aposto que já se perguntou, como eu tantas vezes me perguntei: quando fomos felizes?

Pois agora eu vejo. Hoje de manhã, quando o sol te despertou para mim... Hoje de manhã fomos felizes. Mas não fique triste, agora eu sei que tivemos infinitos "hojes-de-manhã".

4 comentários:

Nana disse...

Que bonito isso :) li duas vezes, e em alguns trechos fui encaixando algumas pessoas que conheco, que cresceram comigo ou que só conheci...
Adorei. Escreva sempre, sempre assim.
Bjs

Nanda. disse...

q lindo momo...Cada vez q leio, não me conformo q não usufrue do talento q tem!Mas enfim, sabe o q faz!

Te amo, por isso por muito mais!;)

Voyeur disse...

Nossa, que lindo!
Não sei dizer outra coisa, só que achei lindo.
Passa no meu depois...
Bjos!

Cássia disse...

Lindo...
Adorei esse texto...
O dia q vc escrever um livro, eu quero um exemplar.
Bjos!